Construo-me nas escolhas

Moro na cidade, pelo que a minha vida pessoal e profissional acontece no ritmo marcado pelo meio urbano. Circular de Transportes públicos, atravessar cheias de gente em hora de ponta, viver num apartamento, usufruir da oferta cultural, são algumas características da vida que tenho por cá. Aprecio essa dinâmica com todos os desafios e constrangimentos que também traz. Apesar de ter nascido numa outra capital europeia, cresci na terra onde as gerações familiares anteriores a mim nasceram. Uma vila na ilha da Madeira. Quando lá volto e me adapto novamente ao ritmo de vida, experimento uma sensação de grande satisfação. Fico por pequenos períodos, de férias, que são o suficiente para me imaginar a viver novamente naquele ambiente, todos os dias. Posso ser essa pessoa incoerente que num dia está a dizer que adora a vida na cidade e no outro dava tudo para viver numa vila pequena. Reconheço vantagens e desvantagens em ambas as realidades e se as duas opções se apresentassem poderia boiar sobre a dúvida por muito tempo. 

Parto deste exemplo pessoal para refletir sobre os dilemas pelos quais todes nós nos confrontamos ao longo do nosso desenvolvimento. As escolhas que fazemos em certa fase da nossa vida ocorrem porque valorizamos algo presente entre as opções ou porque as circunstâncias assim o exigem. Para Sartre esse é o profundo significado da liberdade – as escolhas que fazemos são livres, as consequências não. Nesse sentido, a minha liberdade é condicionada pelas consequências da minha escolha. No exemplo acima, se viver atualmente na cidade é o que me dá garantias de trabalho e eu preciso de exercer a minha atividade profissional para viver então a escolha de ir viver para uma vila pequena está condicionada pelas condições de trabalho na área onde habito. Continuo sendo livre de fazer essa escolha, mas terei de me responsabilizar pelas consequências que daí resultarem. Aí reside muitas vezes a angústia bloqueadora, perante a avaliação feita aos caminhos possíveis de seguir qualquer uma das vias implicará largar os frutos da experiência possível através da outra. Atravessar esse desconforto passará por aprender a aceitar que esse efeito é incontornável, vai repetir-se muitas vezes ao longo da vida, e estaremos tanto mais em paz quanto formos capazes de tomar consciência desta inevitabilidade que integra a construção do nosso caminho. Assim também abrimos espaço para contemplar e tirar maior prazer do que nos trouxe a vida escolhida, com os pés assentes no presente e o que ele nos dá. Isso não significa que a angústia da escolha não seja necessária. Aliás, é nesse processo de conflito interior que avaliamos e medimos todos estes aspetos até chegar à conclusão do que queremos para nós, do que valorizamos a cada momento, sabendo que mudamos ao longo da vida e que uma escolha que fez sentido num dado momento poderá não fazer noutro e essas transformações no nosso ser constituem a beleza da existência.

Assim se forja a individualidade, a identidade que constitui cada sujeito que está em constante interação com o meio e as outras pessoas que compõem o seu microssistema. Nessa dinâmica movida pelas relações com o entorno se vai dando espaço a quem se é, afirmando-se e caminhando com sentido.