Isto não é psicologia, mas também é.

Fui ver o filme O quarto ao lado
Estreou em Portugal no dia 5 de dezembro o último filme de Pedro Almodóvar, O Quarto ao Lado, protagonizado por Julianne Moore e Tilda Swinton. E eu não resisto em partilhar o meu olhar e experiência interna resultante desta ida ao cinema. Sou uma entusiasta dos filmes deste realizador seja pela profundidade dos temas que ele aborda seja pelos ambientes criados – as suas cores, planos, referências e sonoridades. Apesar da estranheza vinda do facto da história ocorrer em território americano e ser falado em inglês (ele sempre tem privilegiado o seu país de origem para o efeito – Espanha), lá mergulhei no que ele nos vinha contar.
A finitude é a dimensão filosófica que marca o decorrer das cenas. Os diálogos vão revelando sentimentos, dúvidas e dilemas existenciais sobre os caminhos possíveis a fazer em resposta à realidade da doença, de um cancro em estado avançado. Seguir os tratamentos recomendados e levar a luta até ao fim, seja esse qual for? Ou aceitar a progressão das suas consequências permitindo-se a determinar como irá decorrer o final da sua vida? Decidindo-se pela segunda opção Martha escolhe a amiga, Ingrid, para a acompanhar nesse processo e juntas põem em prática o plano para que assim aconteça, debatendo-se pelo caminho com as preocupações associadas à ilegalidade da eutanásia no país.
Perante um tema tão complexo senti que o filme nos ampara através desta relação de amizade, que vai dando sentido à ação. Enaltece o que, no fim das contas, faz cada momento valer a pena, termos alguém com quem sermos vulneráveis, partilhar risos e medos, refletir sobre o mais difícil, recordar e navegar no absurdo que por vezes tudo parece. Achei particularmente bonito que tivesse sido valorizada a amizade entre duas mulheres, poucas vezes visibilizada nas artes e no entanto tão importante, tão necessária para o bem-estar de todas. Como dizia Julianne Moore numa conferência de imprensa sobre o filme, entre os vários benefícios que lhe trouxe ao longo da vida as amizades femininas, um deles foi poder contar com alguém que lhe dizia “não, tu não és louca”. É uma forma de amor que merece o protagonismo que lhe foi dado através da relação entre Ingrid e Martha.
Os toques de humor, a partir de cenas terrenas do que caracteriza as interações humanas reais, dão uma agradável leveza ao filme. Conseguindo ser ao mesmo tempo denunciador do conservadorismo, da moralidade questionável, que atravessa as instituições democráticas como é o caso da justiça – vemos isso na cena em que Ingrid é sujeita a interrogatório na polícia por suspeita de ser sido cúmplice da decisão tomada por Martha de recorrer a meios alternativos para aceder à eutanásia, de forma clandestina.
Talvez por ter sido o que mais ressoou em mim, saí desta experiência sentindo-me acarinhada, sorrindo para o que me parece ser o sentido possível num mundo cheio de desafios e contradições, a uma escala individual e coletiva, o afeto advindo de bons encontros relacionais. Atravessar a vida contando com laços que confiram segurança a cada passo dado, foi o que guardei d’O quarto ao lado.