Porquê revisitar a infância em terapia?

Os primeiros anos de vida, entre a infância e a adolescência, constituem as bases de construção da nossa personalidade, da perceção que temos sobre quem somos. Um desenvolvimento saudável durante esse período pode ser medido em função da satisfação das nossas necessidades emocionais. Segundo Young et al. (2008), existem cinco necessidades emocionais fundamentais para os seres humanos:

  1. Vínculos seguros com outras pessoas (segurança, estabilidade, cuidado e aceitação);
  2. Autonomia, competência e sentido de identidade;
  3. Liberdade de expressão, necessidades e emoções validadas;
  4. Espontaneidade e lazer;
  5. Limites realistas e autocontrolo.

Sabemos que a interação entre o temperamento da criança e o seu ambiente poderá resultar na frustração destas necessidades. Crianças que crescem num ambiente com poucas experiências boas, onde não existe estabilidade, compreensão ou amor, terão dificuldades de adaptação relacionadas com esta falta. O mesmo poderá acontecer se a criança passa por uma quantidade grande de experiências boas, recebendo em demasia algo que seria saudável se moderado. Em qualquer um dos casos as necessidades emocionais da criança não estão a ser atendidas. Quando o desenvolvimento ocorre nestas condições poderá dar-se a formação de esquemas precoces maladaptativos. Os esquemas são formas que encontramos de dar sentido à nossa realidade, de nos situarmos no mundo, é uma compreensão que construímos sobre nós própries e a relação que temos com as pessoas que nos rodeiam.

Por outras palavras, quando o ambiente não é capaz de dar resposta às nossas necessidades emocionais não nos é dada a oportunidade de interiorizar o aconchego dessas necessidades. Por exemplo, se eu crescer num ambiente marcado pela instabilidade, em que essa sensação me é transmitida por um ou ambos os cuidadores, eu não serei capaz de interiorizar em mim a sensação de segurança e estabilidade. Não houve uma resposta a essa necessidade nos anos que pautaram a construção da minha personalidade pelo que me desenvolvi sem que esse pilar constituísse a minha estrutura interior.

Qual é o significado destas experiências na idade adulta?

O desenvolvimento de esquemas vai traduzir-se em formas mal adaptativas de responder a situações do meio, de fazer escolhas de vida, de interpretar e dar significado a diversos eventos. Essa dificuldade vai gerar sofrimento na pessoa podendo evoluir para sintomas presentes de forma mais continuada como a ansiedade e/ou depressão.

Pegando no exemplo dado acima, se as relações com os meus cuidadores não me transmitiram segurança, a ideia de me relacionar afetivamente com alguém enquanto adulta pode ser assustadora porque significaria para mim a reativação dessa sensação de instabilidade. Ou seja, posso evitar relacionar-me, fugindo a essas sensações, permitindo-me um alívio momentâneo das emoções ativadas, como o medo. No entanto, como consequência, sinto-me triste por não conseguir estabelecer vínculos seguros com outras pessoas e responder a essa necessidade fundamental.

São teias complexas da nossa vida interior. A boa notícia é que através da terapia é possível desenlear todos estes nós fundadores de quem somos, permitindo-nos libertar e aliviar pouco a pouco o sofrimento e construir novos significados.

 

Referências: Young, J., Klosko, J. e Weishaar, M. (2008). Terapia do Esquema. Guia de Técnicas Cognitivo-Comportamentais Inovadoras. São Paulo: Artmed Editora.