
Ter a dúvida
“ter a dúvida é saber exatamente o que estou a dizer” Almada Negreiros
A dúvida por vezes pede tempo. A dúvida pede reflexão. Como é deixar-se ficar nesse lugar sem certezas? Para muitos de nós é um desconforto que pede para ser sossegado. Talvez contribua para essa necessidade o estado atual do mundo no qual a urgência em decidir-se, posicionar-se, parece estar a cada esquina, ou será antes, a cada passagem com o polegar no ecrã azul dos nossos dispositivos móveis.
Será que a validade de uma pessoa deverá ser medida pelo número de certezas que transporta? Já senti que devia tirar uma conclusão rápida sobre cada tema e percebo hoje como isso foi sendo uma fonte de enorme pressão e stress. Com isto não digo abdicar das linhas que orientam os meus princípios, mas dar-me espaço para refletir sobre os temas que se apresentam navegando a complexidade que normalmente compõe certas questões. Encontrar paz no facto de que, por vezes, tenho mais questões do que respostas.
A nossa mente pode tornar-se um lugar agreste quando nos deixamos levar por essa vontade obstinada de resolver, fechar, concluir alguma questão, algum problema encontrado. Se nos permitirmos a dar um passo atrás para observar com alguma distância o que realmente se está a passar nesses momentos será que não merecíamos, simplesmente, nos darmos o tempo de reflexão, de diálogo com pessoas que nos possam ajudar nesse processo, de olhar as ambivalências e, se houver a exigência de resolução, então apresentar uma resposta que reflita essa experiência?
No outro dia, em conversa com uma amiga, recordávamos as nossas vivências em contexto de ativismo e os problemas com que lidávamos na altura. Cada uma de nós, desde aí, com um percurso diferente chegámos à compreensão da falta que nos fez, na altura, nos permitirmos a dar tempo à reflexão, priorizando o pensamento crítico, aberto às diferentes posições, à escuta e sem medo de concluir que não concluíamos nada sobre certa questão. Concordávamos sobre o bem-estar que é possível atingir quando podemos dizer “não sei” “não tenho informação suficiente para me posicionar” “preciso de pensar melhor sobre os vários argumentos” “a reflexão que fiz até agora sobre o assunto levanta mais questões, não tenho uma resposta fechada”. Quão libertador isto pode ser!
Li pela primeira vez a frase de Almada Negreiros citada no início deste texto na estação de metro do Saldanha. Sorri, pois, houve uma ressonância com algo dentro de mim, que eu já sentia, mas talvez ainda não tivesse elaborado de forma consciente. Fiquei a pensar sobre ela e quanto mais pensava mais sentido fazia para mim. Quanto encerra este paradoxo! Ou abre, será mais isso? Seja como for acho que resume de forma brilhante aquilo que tento refletir aqui convosco.
Contem-me, vocês, têm muitas dúvidas?